Entrevista com o professor Dircêo Torrecillas Ramos

Por Nicholas Maciel Merlone


Dircêo Torrecillas Ramos. Mestre, Doutor, Livre-Docente pela USP; Professor convidado PUC-PÓS; Foi Presidente da Comissão de Direito Constitucional OAB-SP; Conselheiro Jurídico da Fecomercio;  Conselheiro do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política - COSENP da FIESP; Vice-Presidente da APLJ – Academia Paulista de Letras Jurídicas cadeira n°48; Membro do IBEDAFT – Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro, Tributário; Membro do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo, IPSA – International Political Science Association, APSA – American Political Science Association e Correspondent of the Center for the Study of Federalism – Phliadelphia USA.


1 - O sr. poderia nos falar um pouco de sua trajetória profissional, acadêmica e de experiência de vida?


Bom, o que eu tenho a dizer nessa questão é o seguinte, eu comecei minha vida muito cedo trabalhando com o meu pai, como todos os irmãos, nós somos dez irmãos. Eu estudei no Grupo Escolar Marechal Deodoro, que era um grupo escolar do Estado e ali também funcionava à noite o ginásio estadual e colégio normal Larico de Silveira, era na Rua dos Italianos e ia até a Rua da Anhaia, pegava duas ruas. Ele depois mudou e foi para Barra Funda. Bom, foi aí que eu iniciei meus estudos, eu trabalhava durante o dia, depois eu comecei trabalhando com um despachante aduaneiro, fiz minha carreira lá, atuava muito com matéria de direito, também desde jovem, comecei com 13 anos lá.


E depois eu saí, voltei e acabei sendo presidente do sindicato dos ajudantes de despachantes aduaneiros. Bom, com 19 anos eu fui procurado por um proprietário de uma trading, que era de Hong Kong e de Formosa, Taipei, Taiwan, e eu comecei a trabalhar com ele, acertei, fui, recebi uma grande proposta. Isso eu comecei com 19 anos, com 22 anos ele já me colocou como sócio-diretor da empresa, porque eu viajava para vários lugares, eu ia muito para o Rio Grande do Sul, para o Paraná, para o Rio de Janeiro, para Mato Grosso, várias cidades do Mato Grosso, ainda não havia a divisão do Mato Grosso, depois ia muito para Minas, norte de Minas, divisa da Bahia, eu sempre procurando, fazendo pesquisas de material, de produtos que deveriam ser exportados.


Eles estavam aqui, estudando a possibilidade, já preocupados com o futuro de Hong Kong, da ilha de Formosa, com relação à China continental. Então, eles eram os empresários anteriores à Revolução Chinesa. E eles foram para Hong Kong, para Formosa, Taipei, Taiwan, e de lá vieram para o Brasil já procurando novos campos. E com 22 anos eles me colocaram lá como diretor, já sócio-diretor da empresa aqui no Brasil. Eu não tinha nenhuma despesa, era tudo garantido por ele, mas eles já me ofereceram esse cargo, porque eu já atuava muito.


Até produtos que nós tínhamos aqui, que ele pretendia fabricar, nós estudávamos as formas, a composição, a produção das peças e a montagem. Bom, no Colégio Alarico Silveira eu acabei prestando vestibular e entrei na PUC, e naquele ano houve uma grande modificação na USP, eu acabei passando em todas as matérias, mas no final cabia inglês e francês, e nós pensávamos que era apenas um idioma, e francês acabou diminuindo a minha média. Mas aí na PUC ainda eram as matérias comuns que nós tínhamos estudado no clássico, não havia mudado nada. Eu nem lembro, algum amigo, eu não queria fazer o vestibular porque eu tinha terminado o clássico, e um amigo me inscreveu e me avisou, e eu acabei fazendo o exame, eu passei e continuei, fiz a graduação na PUC.


Depois de um tempo já atuando na área, voltei para a área aduaneira, e na área aduaneira também eu tive um desenvolvimento muito grande, com aproximadamente, eu tinha 25 anos e já fui presidente do sindicato, e fiquei, tive até que abandonar um pouco o sindicato, porque prejudicava os meus estudos. Depois de um tempo voltei agora para a USP, fiz o mestrado, o doutorado, a livre docência, e disputei a titularidade. A disputa da titularidade foi naquele concurso que participaram o ministro Lewandowski, o ministro Alexandre de Moraes, o procurador nacional da fazenda, que é lá do Rio Grande do Sul, César Saldanha.


E o concurso, então, o indicado era a vaga do professor Dalmo Dallari, e foi indicado o ministro Levandovski, na ocasião, que foi o indicado. Depois desse período eu participei de várias comissões da OAB, eu presidi a comissão de direito constitucional, depois a comissão de ensino jurídico, participei do IASP, ainda participo até hoje, acabei me tornando membro da associação americana de ciência política, da associação internacional de ciência política, e fui designado correspondente do centro de federalismo de Filadélfia, pelo professor Elis Katz e o professor Daniel Eliazar, os dois já infelizmente falecidos. Com a experiência docente, eu dei aula em vários lugares, na GV, Fundação Getúlio Vargas, no curso de administração, naquele tempo só tinha curso de administração, e ali tinha várias disciplinas de direito.


Eu fiquei na GV por 25 anos. Na USP eu acabei lecionando um semestre, algumas aulas sempre como convidado. Na PUC, na pós-graduação, dei vários cursos de federalismo.


E, enfim, em várias outras faculdades fui passando de uma para outra, aqui na capital, no interior. Eu participei de muitas bancas de mestrado, de doutorado, de livre docência na USP, no Mackenzie, na Universidade Federal, nas federais principalmente de Curitiba, na PUC de Curitiba, e eu continuei também na área aduaneira um bom tempo, durante um período eu me ofereci na área aduaneira, que era uma advocacia. Tínhamos questões jurídicas mais preventivas para as empresas.


Durante o período eu me dediquei apenas na prática, como advogado na área de direito penal e me especializando sempre em direito constitucional. 


2 - Comente sobre suas principais obras jurídicas e seus diversos artigos publicados.


Com questão de livros publicados, o primeiro livro é Autoritarismo e Democracia, o exemplo constitucional espanhol, que é o resultado da transição constitucional espanhola, que surgiu depois de muita violência, depois de 40 anos, ele acabou surgindo como uma transição pacífica, que é o que todos desejavam.


O segundo livro é o Controle de Constitucionalidade por Via de Ação. Nós já estávamos participando das mesas redondas do professor Favorré e lá foi um período que saiu, havia muita discussão sobre o controle de constitucionalidade e eu peguei esse tema, controle de constitucionalidade por via de ação. Era o que estava sendo muito discutido na época.


Depois eu escrevi também Os Remédios Constitucionais, que foi o resultado, era parte desse outro livro, Controle de Constitucionalidade por Via de Ação. Depois, na livre docência, aliás, foi a tese de doutorado esse controle. Na livre docência, eu escrevi sobre o que estava muito em discussão, mas de formas separadas, as assimetrias.


Eu escrevi sobre o federalismo assimétrico, porque nós vimos ali muitas discussões. Na verdade, nós tínhamos na época participando de um congresso na Alemanha, nós tínhamos dois papers, um da Espanha e um da Suíça. Então, aquele serviu de ponto de partida, mas eu percebi ali que havia muitas outras questões relacionadas com as assimetrias.


Eu continuei depois com a federalização das novas comunidades, a questão da soberania. Por quê? Porque as novas comunidades, principalmente da União Europeia, havia algumas dúvidas com relação à soberania dos Estados membros e da União Europeia. Então, o que deveríamos fazer ali? Uma diversificação, uma análise do que era uma confederação, o que era uma federação, o que era autonomia e o que era soberania para chegarmos a algumas conclusões.


Isso é uma questão que servia para muitos países, eu colhi muitos dados de muitos países e resultou na minha tese que eu disputei a titularidade na Universidade de São Paulo. Esses são os livros, mas eu participei de muitos livros, nem tenho o número. Eu participei de livros como coordenador de obras coletivas e como coautor de obras coletivas.


Artigos que eu escrevi na França, na Espanha, Portugal, Romênia, Argentina, nem me recordo todos os países, mas são artigos publicados ou publicados em livros como parte de obras coletivas e também como artigos avulsos. A Espanha, por exemplo, fez uma análise do meu federalismo assimétrico na Revista de Direito Constitucional do Governo, que era publicada pelo governo espanhol, pelo professor, o diretor era o professor Rúbio Llorente, e lá na França era o professor Favorré. Bom, agora artigos avulsos para jornais, desde 2003, mais ou menos, já faz mais de 20 anos, e eu adotei aqui um jornal regional, porque ele publica e ele publicava em jornal impresso e também via internet.


Era semanal, depois passou a ser mensal, até hoje eu escrevo mensal e hoje ele não está impresso, apenas via internet, mas é bom porque eu utilizo como se fosse uma página minha e eles têm já todos os cadastros e divulgo. São mais de 21 anos e em outros jornais, revistas, livros também eu fui publicando e hoje eu acredito pelas datas, pelo período que a gente escrevia, eu devo ter mais de mil artigos escritos dessa forma. 


3 - Quais os desafios do País, de São Paulo e da advocacia para o restante de 2024 e para os próximos anos?


Bom, eu acho que os desafios da advocacia para 2024 e para os próximos anos são muito grandes.


Nós estamos assistindo a uma complexidade crescente, a importância crescente do direito, como hoje a atuação do Supremo Tribunal Federal, muito divergente de um para outro ou em conjunto, leva a crer que nós temos uma orientação geral e a interpretação de cada ministro. Nós acompanhamos as mudanças das relações fáticas crescendo também. Muitos comentam até mesmo que nós temos 11 constituições, uma de cada ministro e que modifica. Há uma mudança de ministro para ministro.


Então a importância daqui para frente é muito grande, a necessidade de estudos aprofundados é muito grande para os próximos anos, é um grande desafio. Isso tem importância com relação à liberdade, à satisfação dos descontentes e que se procure uma prestação jurídica, um direito como direito e justiça, um direito justo, para que haja o máximo de conciliação entre as interpretações. Aquilo que seja aceitável, uma prestação jurisdicional aceitável.


4 - Que dicas o sr. daria para um jovem que está prestando o Exame da OAB?


Bom, esses jovens que estão prestando o exame da OAB agora, estão no início de carreira, a gente já indica para eles, a gente nem precisa dar dica, acho que eles já percebem a importância dentro dessa complexidade que eu acabei de mencionar, porque eles têm que fazer um estudo pessoal, uma escolha pessoal, de acordo com a vocação ou os interesses dos serviços a serem prestados, para atuarem ou como autônomo ou serem advogados de empresa ou de sociedade de advogados. Então aqui nos leva também aquilo que diz o poeta grego Arquíloco, que é citado pelo professor Celso Lafer na sua obra Reconstrução dos Direitos Humanos. E diz ele assim, muitas coisas sabe a raposa, mas o ouriço uma grande.


E essa questão nos leva então aos generalistas e aos especialistas, quer dizer, o ouriço ou a raposa. Generalista que sabe menos, mas de muitas coisas, ou especialista que sabe de uma coisa só, mas muito como nós citamos aqui o ouriço. E isso vai importar também se ele quer seguir uma pós-graduação, se aprofundar, ser especialista, servir para dar aulas, para concursos.


Então são segmentos que nós temos aqui e que importam para ele como uma lembrança, para ele poder estudar, ver aquilo que interessa para ele ou que interessa para o mercado e fazer uma escolha e seguir. Agora, a importância é indubitável, porque ela é uma importância crescente, dentro do que nós já falamos no item anterior e neste item.


5 - Que conselhos o sr. daria para um jovem advogado que pretenda seguir carreira em constitucional?


Bom, a carreira constitucional, como nós já vimos anteriormente, parece que tem o mesmo sentido, nos conduz à mesma orientação.


Essa complexidade, essas dificuldades, as interpretações divergentes. Então eu acho que o ponto de partida é um bom estudo de direito constitucional, que também está crescente, está evoluindo em importância. Então nós verificamos aqui que a Constituição é a lei maior, é a base, é o ponto de partida para tudo.


Então, quer dizer, todo direito tem como ponto de partida o direito constitucional. Acho que uma carreira, por exemplo, para cada um pode ser diferente, mas aqui nós mexemos com a vida do Estado. A carreira constitucional mexe com a vida do Estado, assim como o direito penal, por exemplo, com a vida da pessoa, liberdade da pessoa.


Então, eu acho que é extremamente importante, eu acho que hoje nós precisamos cada vez mais do direito penal, mas de um direito constitucional justo e interpretado também de forma justa, não da forma que cada um quer, independentemente de uma justiça, de uma prestação jurisdicional justa. Então é uma carreira de muita importância e nós vemos as grandes discussões, todos os dias nós temos problemas de direito constitucional que tem que ser estudado, compreendido e aplicado. Não estudado e não aplicado.


Ou outras consequências que não são as melhores. Então nós precisamos hoje daqueles que estudam profundamente o direito constitucional e aqueles que vão oferecer um ponto de partida para uma construção jurídica aceitável. É o ponto de partida porque tudo depende do direito constitucional e não pode ser contrariado.


6 - Finalmente, conte-nos um pouco sobre o Federalismo Assimétrico.


Eu antecipei já alguma coisa. Foi num congresso que na Alemanha tinha dois papers, um da Suíça e outro da Espanha, mas eles se dedicavam, como em outros aspectos e outros países, depois durante a pesquisa nós encontramos, nós verificamos que há aí uma, na verdade eles se dedicavam a um federalismo fiscal, preocupação com recursos, mas o federalismo assimétrico envolve a questão fiscal, envolve a questão das dimensões das unidades da federação, porque conforme, veja, vamos comparar Sergipe, Rio Grande do Sul, Roraima com Amazonas e Pará.


Então conforme a dimensão traz maiores problemas que devem ser discutidos e analisados. Além da preocupação fiscal, das dimensões, nós temos que ver a população, mas não só a população, temos que ver a população carente, que é a população importante e tem que se oferecer serviços públicos para uma população, mas num estado pequeno, de pequena população, isso se torna mais fácil. Temos que ver também a população carente, por exemplo, São Paulo.


São Paulo tem mais de 40 milhões de habitantes e nós verificamos uma receita, mas nós temos dentro do estado de São Paulo uma população carente muito grande, uma população carente que é três vezes maior que a população de Roraima, por exemplo, mas só de carentes. Então temos que analisar essa questão, temos que analisar os recursos, o esforço para arrecadar recursos. Fora isso, nós temos outros países que a questão é racial, distinção racial, etnia, religião, idiomas, cultura, tradições.


Por exemplo, nós podemos citar aqui rapidamente o Canadá, nós temos o Canadá de língua francesa e de língua inglesa, com culturas, tradições, idiomas e também raças diferentes. A Bélgica da mesma maneira, a Bosnia e Herzegovina, que é uma federação de nações. O Brasil, com seus problemas de tamanho, de recursos dos estados, de população de cada estado, e assim vai para os Estados Unidos.


A China, que tem um federalismo, apesar de outras assimetrias, tem um federalismo baseado no idioma. Então, veja, é um outro critério. E nós perguntamos, será que esses países, eu citei alguns, mas será que esses países, eu lembrei agora da Nigéria, que já foi dividida em 4, 9, 12, 19, 21, 30 e agora já está com 36 unidades na federação, só considerando as diferenças étnicas, imaginem.


E nós perguntamos, com essas diferenças, será que nós podemos ter uma legislação unitária para todas? Lembrei também agora do Iraque. O Iraque tem 6 idiomas, os curdos falam 2 idiomas, tem várias religiões, com predominância muçulmana, mas tem várias religiões, tem até a religião cristã. Nós temos lá as diferenças entre as nacionalidades no Iraque, tem a questão dos xiítas.


Então, nós verificamos que há uma dificuldade em atender com uma legislação unitária a todas essas divergências que existem conforme o país e suas unidades, conforme o Estado Federal e suas unidades componentes. Num estudo feito pelo professor Elias Katz mais recentemente, ele já detectou que, no globo terrestre, nós temos 80% da população que vive de alguma forma sob um federalismo. Então, nós podemos ter uma confederação, uma federação e países que adotam instrumentos federativos, como por exemplo a Espanha, que nós costumamos dizer que a Espanha ainda não é um Estado Federal formalmente, mas na prática é mais federal do que o Brasil, que é um Estado Federal.


Nós lembramos também, dentro dessas dificuldades, Norberto Bobbio. Norberto Bobbio, logo depois da guerra, ele fez um estudo, quando se discutia ali das guerras tradicionais, a ameaça de extermínio atômico, ele fez um estudo onde dividiam, ele dividia, mas todos dividiam, os comentaristas dividiam e formavam dois grupos. Um grupo bipolar, formado pelos Estados Unidos e União Soviética e um grupo que admitia abertura de vários centros de poder.


E todos encontravam dificuldade com relação à liberdade e ao estabelecimento da paz. E Norberto Bobbio, então, indicava que, como conclusão, uma terceira mão, aliás o nome do livro dele, que trata da matéria, tem uma tradução espanhola, mas é O Terceiro Ausente. Nós tínhamos duas hipóteses aqui, mas havia uma terceira, ausente, que ele falava sobre a criação de estado universal.


Criar um estado universal. Haveria, então, uma convergência voluntária de todos os estados. E ele arrematava, federalizar-se ou perecer, como todos também diziam.


E ele criticava a forma, e dizia que a história do mundo já não cabe dentro dos limites das nações e dos estados-nações. Então, é em grande parte, na verdade, supranacional. Então, ele já dizia, criticava o conceito de estado-nação que perdeu suas notas essenciais e nem reflete o sentimento de outros tempos, que em outros tempos se alertava.


Então, veja, o Norberto Bobbio era a favor dessa federação diante de tantas dificuldades. E o que é o federalismo assimétrico, então? É a acomodação das divergências. É a unidade na diversidade.


A garantia da autonomia, mas mantinha uma união. União e não centralização. Então, eu já falei da Espanha, mas a questão da França também era a mesma ideia.


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